sábado, 21 de novembro de 2009

Questão de Ordem - MAURO SANTAYANA


Dezenove dias

Há 50 anos, a morte do major Rubens Vaz iniciaria a mais dramática das crises republicanas brasileiras. Os que fomos testemunhas do cerco contra o Presidente não podemos acatar a versão dos vencedores. Na História, todo epílogo é um prefácio.

Há exatamente 50 anos, a morte do major Rubens Vaz, da FAB (Força Aérea Brasileira), iniciaria a mais dramática das crises republicanas brasileiras. Por mais confissões tenham sido feitas, mais memórias escritas, mais documentos exibidos, permanece, entre os que foram testemunhas daquelas três semanas, menos dois dias, muita coisa a ser aclarada, como ainda há que se aclarar a morte de Kennedy. Este colunista, já jornalista naquele tempo, acompanhou, dia a dia, até o embarque do corpo de Vargas para o Sul, os fatos. Primeiro, de Belo Horizonte, onde trabalhava; depois, da manhã do dia 24 ao fim da manhã do dia seguinte, no Rio de Janeiro. Os que vieram depois podem aceitar a versão dos vencedores daquelas horas, mas os que fomos testemunhas do cerco contra o Presidente não podemos acatá-la.

Ao candidatar-se, Vargas ouvira o aviso da fatalidade. Em entrevista à Folha da Noite, em plena campanha eleitoral (julho de 1950), disse o estadista:

"Conheço meu povo e tenho confiança nele. Tenho plena certeza de que serei eleito, mas sei também que, pela segunda vez, não chegarei ao fim do meu governo. Terei de lutar. Até onde resistirei-- Se não me matarem, até que ponto meus nervos poderão agüentar-- Uma coisa lhes digo: não poderei tolerar humilhações".

Mais adiante, na mesma entrevista, esclarece:

"Quero, ao morrer, deixar um nome digno e respeitado. Não me interessa levar para o túmulo uma renegada memória. Procurarei, por isso mesmo, desmanchar alguns erros de minha administração e empenhar-me-ei, a fundo, a fazer um governo eminentemente nacionalista. O Brasil ainda não conquistou a sua independência econômica e, nesse sentido, farei tudo para consegui-la. Cuidarei de valorizar o café, de resolver o problema da eletricidade e, sobretudo, de atacar a exploração das forças internacionais. Elas poderão, ainda, arrancar-nos alguma coisa, mas com muita dificuldade. Por isso mesmo, serei combatido sem tréguas. Eles, os grupos internacionais, não me atacarão de frente, porque não se arriscam a ferir os sentimentos de honra e civismo de nosso povo. Usarão outra tática, mais eficaz. Unir-se-ão com os descontentes daqui de dentro, os eternos inimigos do povo humilde, os que não desejam a valorização dos assalariados, nem as leis trabalhistas, menos ainda a legislação sobre os lucros extraordinários. Subvencionarão brasileiros inescrupulosos, seduzirão ingênuos inocentes. E, em nome de um falso idealismo e de uma falsa moralização, dizendo atacar sórdido ambiente corrupto que eles mesmos, de longa data, vêm criando, procurarão, atingindo minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional. Terei de lutar, se não me matarem".

A República do Galeão

O major Vaz, ao trocar tiros com os pistoleiros, que, segundo vários depoimentos, queriam apenas assustar Lacerda ? e ser atingido fatalmente ?, não atuou como militar. Agiu como um correligionário político e amigo íntimo do jornalista da oposição. Apesar disso, os comandantes da Aeronáutica, com o apoio de altos oficiais do Exército e da Marinha, decidiram instaurar um "inquérito policial-militar" na Base Aérea do Galeão, que, em razão disso, passou a ser chamada de República do Galeão. Era a violação descarada da Constituição e dos regulamentos militares, que só prevêem inquéritos policiais-militares quando os oficiais e soldados estejam a serviço. Rubem Vaz não morrera como soldado, mas, sim, fora de seu horário de serviço e como guarda-costas afetivo de um político da Oposição. O crime deveria ser apurado pela polícia, que iniciou, no mesmo dia, o inquérito necessário.

Mas contra Vargas não se haviam levantado ilegalmente somente os companheiros do morto. Uma vasta conspiração tomou conta do país, alimentada por quase todos os jornais, com a exceção singular da Última Hora.

Vargas estava correto em sua premonição de quatro anos antes. Aos interesses estrangeiros se uniam os quislings nacionais, entre eles, Carlos Lacerda, festejado pelas elites pró-americanas e por setores enganados da classe média. O episódio mostra como a insensatez e o ódio são contagiosos. Intelectuais, que se tornariam sensatos nos anos seguintes, uniram-se no uivar da matilha contra o Presidente, como foi o caso de Alceu do Amoroso Lima. O grande pensador católico chegou a escrever um dos mais infames libelos contra o Presidente, quando o seu corpo ainda estava insepulto, sob o título de Sangue e Lama, no rodapé do Diário de Notícias, um dos jornais alinhados à antiga União Democrática Nacional ? o partido das oligarquias reacionárias.

Nos Estados, os governos se reuniam em favor da nova ordem pró-americana e antinacionalista. Fora alguns políticos honrados, não se lamentava o trágico desfecho da crise, mas se saudava o grupo recém-chegado ao poder, formado pela minoria parlamentar e pelas personalidades ligadas a Lacerda. Só Juscelino, com a força de Minas, teve outra atitude. Em plena crise, Vargas visitara o Estado, a fim de inaugurar uma indústria siderúrgica, e passara a noite de 12 para 13 de agosto como hóspede do governador de Minas, em sua residência oficial. Naquela noite, eu soube depois pelo próprio Juscelino, Vargas dormira mal. Ouvindo ruídos na biblioteca, o governador de Minas encontrou Getúlio lendo A Imitação de Cristo, do monge Thomas Kempis, um manual de consolação religiosa.

O presidente Vargas que assumiu o cargo em 31 de janeiro de 1951 era o mesmo que governara de 1930 a 1945, e era outro. Era o mesmo em seu nacionalismo e no projeto de desenvolvimento nacional. Mas era outro, porque, eleito diretamente pelo povo, e não chegando ao poder pelas armas, tinha consciência de que teria que obedecer estritamente os fundamentos constitucionais, e assim o fez. Mas os interesses norte-americanos haviam se tornado ainda mais vorazes após a guerra. Dutra abrira o mercado nacional, ao assumir o governo em 1946, de uma forma que só seria suplantada por Fernando Collor e Fernando Henrique, meio século depois. O problema fundamental era o do petróleo, como continua sendo, com a agressão brutal ao Iraque. Os norte-americanos não admitiam que as jazidas brasileiras não viessem a ser exploradas por suas empresas, e apostaram todas as fichas em Carlos Lacerda, na UDN e em seus admiradores nos meios militares e políticos. Para os adversários de Vargas tudo era válido, até mesmo mistificar os conceitos e tentar opor "democracia" a nacionalismo. Democracia, para essas elites, continua ser um meio de ganhar dinheiro à custa do Estado e de manter-se no poder, mesmo como sócios menores dos estrangeiros.

O que Vargas previra, em julho de 1950, ocorreu nos últimos meses de seu governo, sobretudo depois de haver sancionado a Lei 2004, que instituiu o monopólio estatal da exploração, refino e distribuição do petróleo brasileiro ? que só viria a ser quebrado por iniciativa do Sr. Fernando Henrique Cardoso. E sua carta-testamento (claramente identificada, na denúncia e no estilo, com o que dissera à Folha da Noite) foi o epílogo do imenso drama político e pessoal. Mas, na História, todo epílogo é um prefácio.

Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, "Mar Negro" (2002
Texto de Agencia Carta Maior



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domingo, 19 de abril de 2009

LACERDA, Carlos - O Atentado da Toneleros

Em 3 de outubro de 1950, Vargas foi eleito presidente da República, tendo como vice João Café Filho. Logo após a divulgação dos resultados, a UDN exigiu a impugnação da chapa vencedora, alegando que os candidatos não haviam alcançado maioria absoluta, como determinava a Constituição. Através da Tribuna da Imprensa, Lacerda foi um dos principais defensores dessa tese, que acabaria por ser derrotada em 18 de janeiro de 1951, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se pronunciou afirmando que a Constituição fazia referência apenas à maioria simples, confirmando dessa forma a vitória de Vargas.

Ao longo do governo Vargas, a Tribuna da Imprensa tornou-se porta-voz da oposição, encabeçando os mais violentos ataques ao governo. A partir de 1951 Lacerda liderou uma campanha contra o jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer, acusando-o de ter conseguido ilicitamente um financiamento do Banco do Brasil de quase 250 milhões de cruzeiros antigos e se referindo ao caso como um "fenômeno de corrupção através da imprensa". Em abril de 1953, foi instaurada afinal na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as transações efetuadas pela Última Hora. Essa comissão, controlada pela UDN, procurou sem êxito elementos que provassem o envolvimento de Vargas em crime de favorecimento àquele jornal e abrissem, dessa forma, a possibilidade de um impeachment do presidente.

Em agosto de 1953 Lacerda fundou no Rio de Janeiro o Clube da Lanterna, que, congregando diversos parlamentares, principalmente udenistas, tinha por objetivo combater o governo Vargas. Tornou-se presidente de honra da nova organização, cujo órgão oficial era a revista O Maquis. Em janeiro de 1954 foi criada, também no Rio de Janeiro, uma coligação partidária de oposição ao governo federal, a Aliança Popular contra o Roubo e o Golpe, tendo em vista as eleições legislativas e para o governo de 11 estados, fixadas para outubro daquele ano. Foi integrada por parlamentares da seção carioca do Partido Libertador (PL), do Partido Republicano (PR) e da UDN, e recebeu a adesão de Lacerda, que teve seu nome incluído na relação de candidato da aliança à Câmara Federal. O programa da nova agremiação constituía-se de três ponto básicos: o planejamento democrático, em oposição ao "dirigismo" estatal, a defesa da livre iniciativa e a ênfase no municipalismo.

Em 19 de maio seguinte foi realizada na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a primeira reunião oficial do Clube da Lanterna, que estabeleceu como objetivo imediato a concentração de esforços para uma vitória oposicionista nas eleições de outubro. A campanha de oposição ao governo tornou-se mais intensa com a proximidade das eleições. Em junho Vargas foi acusado pela Tribuna da Imprensa de malversação de fundo públicos e chamado por Lacerda de "patriarca do roubo" e "gerente geral da corrupção no Brasil".

Em agosto, a situação política se agravou quando, na madrugada do dia 5, ao voltar de um comício no Colégio São José, no Rio, Lacerda foi alvejado na porta de sua casa, à rua Toneleros, em Copacabana. O atentado que se tornou conhecido como Atentado da Toneleros - resultou na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz, integrante de um grupo de oficiais da Aeronáutica que dava proteção a Lacerda, que escapou com um ferimento no pé. Conduzido imediatamente ao Hospital Miguel Couto, recebeu a visita de vários políticos, repórteres e de Eduardo Gomes, então diretor das Rotas Aéreas da Força Aérea Brasileira (FAB), unidade onde trabalhava Rubens Vaz. Nessa ocasião, responsabilizou o governo pelo atentado e ainda no dia 5 afirmou na Tribuna da Imprensa que "elementos da alta esfera governamental" estavam implicados no crime. No dia seguinte, o presidente do Clube de Aeronáutica, brigadeiro Inácio de Loiola Daher, convocou uma reunião que contou com a presença de cerca de seiscentos oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, da qual resultou um comunicado exigindo a completa apuração do atentado.

A crise político-militar que já se delineava foi agravada logo no início das investigações, a cargo da polícia civil: no dia 7 de agosto, o motorista de táxi Nélson Raimundo de Sousa - que informara à polícia que o autor do crime havia fugido em seu carro - prestou depoimento incriminando um membro da guarda pessoal de Getúlio, Climério Euribes de Almeida. Em 9 de agosto Lacerda assinou um violento editorial na Tribuna da Imprensa exigindo a renúncia de Vargas. Dois dias depois, durante o encontro secreto que manteve com o vice-presidente Café Filho no Hotel Serrador, propôs-lhe que pressionasse Vargas a renunciar e que assumisse a presidência da República. Sugeriu ainda que tentasse obter o apoio do ministro da Guerra, general Euclides Zenóbio da Costa, assegurando-lhe a manutenção dos quadros militares existentes, caso assumisse a presidência.

No dia 12, Lacerda lançou um editorial na Tribuna da Imprensa exortando as forças armadas a exigirem a renúncia de Vargas. As dimensões assumidas pelo episódio levaram o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Nero Moura, a autorizar, nesse mesmo dia, a instauração de um IPM. Desde então, as investigações foram conduzidas com total autonomia e os interrogatórios e depoimentos passaram a ser realizados na base aérea do Galeão, o que deu origem à expressão "República do Galeão". No dia 13 de agosto, soldados da Aeronáutica prenderam Alcino João do Nascimento, que prestou depoimento confessando a autoria do crime e implicando Climério Euribes de Almeida e Lutero Vargas, filho do presidente, em sua preparação.

Com a confirmação do envolvimento da guarda pessoal do presidente no atentado, a oposição intensificou sua campanha exigindo a renúncia de Vargas. A bancada udenista na Câmara, liderada pelo deputado Afonso Arinos de Melo Franco, passou a colocar sistematicamente o assunto em discussão. No dia 18 de agosto ocorreu a prisão de Climério Euribes de Almeida, que confessou ter sido contratado por Gregório Fortunato - chefe da guarda pessoal e homem de confiança de Getúlio - para eliminar Lacerda. No dia 19, o Clube da Lanterna dirigiu um apelo a Zenóbio da Costa para que as forças armadas promovessem a deposição do presidente.

No dia 22 a exigência da renúncia de Vargas começou a generalizar-se nos meios militares. Em reunião no Clube de Aeronáutica, os brigadeiros lotados no Rio assinaram um manifesto nesse sentido, que foi transmitido a Vargas pelo marechal João Batista Mascarenhas de Morais, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA). Diante da gravidade do momento, na noite de 22 Lacerda se transferiu com a família para a base aérea do Galeão. Em 23 de agosto a situação tornou-se crítica com a decisão da alta oficialidade da Marinha de apoiar a exigência da Aeronáutica e com o lançamento do Manifesto dos generais, documento assinado por 30 generais do Exército endossando a decisão dos brigadeiros. Ainda nesse dia, em discurso pronunciado no Senado, Café Filho rompeu publicamente com o presidente.

Isolado politicamente e na iminência de ser deposto, Vargas suicidou-se em 24 de agosto. Ao ser divulgada a notícia, vários jornais antigetulistas foram depredados no Rio e populares tentaram empastelar a redação da Tribuna da Imprensa. Enquanto isso, Lacerda era escoltado por oficiais da Aeronáutica até a casa de um amigo, na ilha do Governador, onde permaneceu por quatro dias.

A grande mobilização popular que se seguiu à morte de Getúlio desarmou a ofensiva contra o governo e tornou inviável a consumação de uma ofensiva militar. Café Filho assumiu de imediato a presidência da República, privilegiando, na composição dos quadros de seu governo, setores políticos e militares identificados com a UDN. Os ministros de Estado, presidentes de autarquias e ocupantes de cargos de confiança ligados ao PTB e ao PSD, foram substituídos por elementos próximos à UDN ou por pessoas sem vínculos partidários.

Apesar da comoção causada pela morte de Vargas, o inquérito sobre o Atentado da Toneleros foi reaberto ainda no mês de setembro. Entretanto, somente em outubro de 1956 os acusados seriam julgados e condenados a penas que variam de 11 a 13 anos de reclusão.